Dia vinte do mesmo mês, rua do hotel San Marco, meio-dia e trinta e cinco da tarde.
Sentados no banco traseiro de um luxuoso Maybach blindado, Levinsohn e Benjamin observavam com atenção a entrada do hotel, certificando-se de que a movimentação estivesse controlada…
O silêncio no carro pesava, mas repleto de entendimento tácito, tal como dois lobos calculando cada passo do que viria a seguir…
Do lado de fora, agentes disfarçados circulavam estrategicamente, mantendo o perímetro sob vigilância e aguardando ordens. Alguns se misturavam aos transeuntes, enquanto outros, disfarçados de hóspedes, passavam pela recepção, registrando-se com naturalidade para adentrar o prédio sem levantar suspeitas…
Momentos depois, o motorista recebeu uma comunicação via rádio de um agente, autorizando a entrada dos dois globalistas no prédio. Virou-se discretamente e informou-lhes:
— Está seguro, podem ir.
— Vamos, Levinsohn — Benjamin.
— Já estava na hora — Levinsohn.
Ambos abriram as portas do veículo e desceram com calma, fechando-as com suavidade.
Em seguida, caminharam em direção ao prédio, cuja pintura desbotada parecia se fundir com o tom acinzentado do céu nublado, como se o ambiente ao redor também compartilhasse da mesma discreta austeridade que emanava de seus passos silenciosos…
Após alguns instantes, entraram na recepção do hotel e, imediatamente, a velha recepcionista lhes disse com rispidez:
— Não tem mais quartos!
— Boa tarde, senhora — Levinsohn.
— Ainda não almocei! — a velha.
— Bom… Temos um mandado judicial contra um hóspede — Levinsohn levou a mão ao bolso do terno.
— Pega o mandado e se manda! É meu horário de almoço! — a velha.
— Senhora, precisamos entrar no hotel e procurar pelo hóspede — Levinsohn desdobrava o documento judicial.
— Ninguém entra nesse hotel sem pagar! — a velha.
— Acho que a senhora não me entendeu: temos um mandado judicial — Levinsohn.
— Eu entendi bem! Agora pega esse mandado, dobra, redobra e enfia no seu toba! — a velha.
— … — Levinsohn olhou para Benjamin, em silêncio.
Benjamin enfiou a mão no bolso do terno e puxou um maço de notas de cem, que exibiu com discreta ostentação…
— E agora? — Levinsohn.
— Tá querendo me comprar, é?! — a velha.
— Só estou querendo entrar no hotel, senhora — Levinsohn.
— Ninguém me compra como se eu fosse uma puta! Seu gordo descarado! Vou chamar a polícia se não saírem daqui! — a velha.
— Senhora, facilite as coisas… — Levinsohn começou a perder a paciência.
— Não vou liberar a entrada pra vocês! Não tem mais quartos! — a velha.
— A senhora sabe o que é um mandado judicial…? — Levinsohn.
— Sei! E o mandado judicial tá bem aqui! — a velha inclinou-se para pegar um pedaço de pau do balcão.
— … Não queira fazer isso, senhora — Levinsohn.
— Cala a boca, gordo! Vai se hospedar num restaurante! Sai já do meu hotel! — a velha bateu com o pau no balcão.
Benjamin levou a mão ao outro bolso do terno e, com movimento firme, sacou uma pistola com silenciador, apontando-a diretamente para a cabeça da velha…
— A brincadeira acabou! Libere a entrada! — Benjamin.
A velha, assustada, apertou rapidamente o botão da catraca e ergueu as mãos em um gesto de rendição.
Benjamin a encarou por alguns segundos, sem desviar o olhar, antes de guardar a arma com calma e seguir Levinsohn, que já atravessava a catraca em direção ao elevador…
Assim que entraram na cabine, Benjamin pressionou o botão para o quarto andar e, ao passo que as portas se fechavam, comentou:
— Da próxima vez, o mandado judicial será a minha arma.
— Essa velha é durona, tenho que admitir.
— Não tão dura assim. Achei que ia ter que apertar o gatilho.
— Talvez ela seja prudente.
Fizeram um breve silêncio…
Segundos depois, ao chegarem no quarto andar, saíram do elevador e foram recebidos pelos agentes, que, vestidos com roupas casuais, estavam em posição e prontos para agir, com as mãos próximas às armas.
Aproximaram-se de um agente e lhe perguntaram:
— Qual é o quarto? — Benjamin.
— O trinta e quatro, senhor — o agente.
— Eles estão lá dentro? — Benjamin.
— Sim, ouvimos os sussurros deles. Já sabem que estão cercados — o agente.
— Então, hora do serviço de quarto — Benjamin sacou novamente a arma.
— Fiquem em posição — Levinsohn.
— Sim, senhor — o agente.
Os dois caminharam resolutamente em direção ao quarto onde Enéas estava hospedado…
Chegando em frente à porta, Levinsohn deu dois toques e disse:
— Dr. Enéas, saia do quarto. Se estiver planejando algo, saiba que o hotel está totalmente cercado por agentes. No mais, mandamos cortar o gás e a eletricidade para prevenir qualquer incidente maior.
Ninguém respondeu, porém ouviram-se cochichos abafados vindos de dentro do quarto…
— Dr. Enéas, saia imediatamente! — Levinsohn.
— Com licença, Levinsohn — Benjamin.
Levinsohn afastou-se da maçaneta, e, num movimento rápido, Benjamin disparou, arrombando a porta com um tiro.
— Você é polido demais — Benjamin.
— Vamos entrar — Levinsohn.
Entraram cautelosamente no quarto…
Inesperadamente, depararam-se com um rádio colocado sobre uma cadeira, repetindo as conversas de Enéas com os dois cientistas, ao lado de um envelope…
Levinsohn aproximou-se do aparelho, pegou o envelope e o abriu com cautela. Dentro, encontrou um cartão de visitas do hotel, no qual estava escrito:
“Estamos cientes de que invadiram o nosso galpão na cidade. Todos os que lá estão trabalharão para nós agora, ou iremos bloquear suas contas bancárias e tomar todo o seu dinheiro. Isso não é negociável. Sabemos que seus engenheiros estão estudando o nosso computador; agradecemos os esforços. Não ousem nos perseguir novamente, nem ao Dr. Enéas, nem ao jovem. Liguem para este número quando aceitarem a sua derrota: +1 310 555 0199”.
Em seguida, Benjamin pegou o cartão e começou a ler, enquanto Levinsohn retirava as fotos de suas filhas e dos filhos dos outros globalistas do envelope…
— Parece que estamos com problemas… — Levinsohn.
— Como dois desgraçados nos passaram para trás?! — Benjamin.
— Não faço a menor idéia, mas não podemos subestimá-los agora.
— Alguém de nós cometeu algum maldito deslize!
— Todos nós cometemos o erro grave de achar que tínhamos o controle da situação — olhando para as fotos das próprias filhas.
— Diabos! Impossível! — com raiva, deu um chute no rádio, fazendo a cadeira cair.
— Não adianta ficar nervoso, Benjamin. Perdemos para eles…
— Não! Eu não perdi nada!
— Estou com a foto dos seus filhos bem aqui na minha mão.
— Que o David e a Helena vão para o inferno! Eu não me intimido com isso! Diabos!
— Não se importa com seus filhos, Benjamin?
— Levinsohn, a única coisa que me importa é o nosso maldito trabalho! E sabemos que o nosso trabalho requer isso!
— Não vou deixar que as minhas filhas corram risco!
— Então você deveria considerar a sua aposentadoria!
— Irei marcar uma reunião para a semana que vem. Teremos que discutir isso antes do próximo passo!
— Você e os outros devem se desvincular dos seus filhos, como eu fiz com os meus!
— Meu Deus, Benjamin! Jamais me desvincularia das minhas filhas! Você mesmo reclamou quando o padre deu essa sugestão!
— Não me importo mais. Estou pronto para o próximo passo!
— Vamos discutir a porcaria do próximo passo na semana que vem! Basta o nosso problema com o Rockeweder!
Silenciaram-se por alguns instantes, tentando acalmar os ânimos…
Rua do Departamento de Polícia de São Paulo, uma e quarenta da tarde.
Caminhando pela calçada ao passo que o vento gelado lhes batia contra o corpo, os rapazes seguiam rumo à recepção da delegacia, conversando:
— Que merda, hein? Justo no DP do palhação? — Douglas.
— Pois é, esqueci de avisar que o B.O. online cai na delegacia mais próxima do ocorrido — David.
— Tendeu — Douglas.
— Moscou, mano. Agora vamos ter que ficar de frente pro cara de novo — Aslan.
— Mosquei nessa… — David.
— Pelo menos, vamos aproveitar pra soltar o Richardson — Aslan.
— Se o delegado aceitar a grana — David.
— Vai aceitar; pensamento positivo! — Aslan.
— Aliás, Silvão, você comentou alguma coisa com a chefona? — David.
— Negativo — Silvio.
— Belê. Perguntei porque ela que recebeu a intimação — David.
— Sim, mas ela não me fez perguntas. Só me disse pra tomar cuidado com o que estamos aprontando — Silvio.
— Entendi — David.
— Vocês tão ligados que as minas sabem que tá acontecendo alguma coisa, né? — Douglas.
— Sim, já deu pra perceber — David.
— Não só tô ligado, como acho que elas tão escondendo alguma parada da gente também — Aslan.
— Tipo o quê? — David.
— Sei lá, mas tão — Aslan.
— Aí, manos… — Douglas.
— Manda — Aslan.
— Acho que fiz uma merda… — Douglas.
— Que merda? — Aslan.
— Não tive como evitar: a Daya e a Ariel viram as gravações do hotel… — Douglas.
— Putz, mano… — Aslan.
— Vish, então é isso… — David.
— Mas a Ariel já sabia do que aconteceu — Silvio.
— Sim, mas a Daya não. Provavelmente, ela ficou com medo e comentou com as outras… — Douglas.
— Ou a Ariel contou; ela é boca aberta pra porra — Aslan.
— E você pediu pra Daya não contar? — Silvio.
— Pedi — Douglas.
— Então foi a Ariel, porque a Daya é muito confiável, mesmo que tenha medo — Silvio.
— Se foi ela, de boa. A mina tem medo desses bagulhos, é difícil… — Douglas.
— Não foi, sei do que digo — Silvio.
— Não foi a Dayinha, foi a Ariel, irmão. Vocês falam que sou boca aberta, mas ainda não viram a Ariel nesse quesito — Aslan.
— Foi ela, sim — Silvio.
— Aí, meus caros, agora não importa quem contou. O importante é saber se elas tão atrás disso, pode ser perigoso — David.
— Juro que só mostrei a gravação, nada mais — Douglas.
— A Ariel pode ter dito mais coisas. Vamos ter que perguntar pra elas sobre isso — David.
— Aí que elas vão sacar de vez a parada, mano — Aslan.
— Não tem outro jeito, vamos ter que perguntar — David.
— Espero que o passeio delas de amanhã não tenha a ver com isso — Silvio.
— A Margot me perguntou um local tranquilo pra acamparem amanhã; acho que não tem muito a ver — David.
— Na moral, é perigoso pra elas — Aslan.
— Sim, por isso falei pra Margot acampar no camping mesmo — David riu.
— Boa! — Aslan.
— Tem uma área lá mais ao fundo que é bacana; tem árvores e um mato, dá uma sensação de estar na trilha — David.
— Melhor pra elas — Aslan.
— Tem perigo nesse camping não, irmão? — Douglas.
— Não, tem câmera nos pontos de internet. O pior de lá são o pessoal do Santo Daime e uns hippies que ficam fumando maconha do outro lado, mas é tudo tranquilo — David.
— Tendeu — Douglas.
— Modo responsa ativado, senhores. Vamos entrar — Aslan.
— Ativado, general — Silvio.
Aslan empurrou a maçaneta da porta de vidro da recepção e entrou, seguido pelos outros…
Sem demora, caminharam até o balcão de atendimento, e David, com a intimação em mãos, pôs-se a falar com a policial:
— Boa tarde, nós fomos int… — foi interrompido.
— Intimados, já fui avisada. Podem subir para a sala do delegado — policial.
— Obrigado — David.
Foram em direção ao detector de metais antes de subirem as escadas…
Em menos de três minutos, quase alcançando o segundo andar, o rapaz comentou:
— Ainda não entendi o esquema de segurança desse DP — David.
— É curioso… — Silvio.
— E tem alguma segurança aqui? — Douglas.
— É, então. Parece que qualquer um pode entrar e fazer o que quiser — David.
— Parada estranha… — Aslan.
— Tudo aqui é estranho… — Silvio.
— A policial da recepção é mala — Douglas.
— Com certeza — David.
— Aquela ali bate no marido — Aslan.
— Kakakaka — David.
— Arrebenta, haha — Douglas.
Dirigiram-se à sala do delegado…
Poucos instantes depois, Amauri, o delegado, avistou os rapazes na porta e levantou-se prontamente da cadeira para recebê-los, dizendo:
— Entrem! — deu um sorriso esquisito.
— Com licença, delegado — David.
— Licença… — Aslan.
Os quatro entraram na sala, e o delegado pegou a folha do Boletim de Ocorrência online que estava sobre a mesa…
— Não esperava vê-los de novo — Amauri.
— Pois é — David.
— Quando fomos notificados sobre o boletim, lembrei dos nomes de vocês. Pensei: que azar! Outro incidente em menos de um mês! — Amauri.
— Sim — David.
— Foi zica… — Aslan.
— Por acaso bateram no carro de algum pai de santo? — Amauri.
— Não — David.
— Deus é mais… — Douglas.
— Não estão com muita sorte, aparentemente. Já pensaram em se benzer? — Amauri.
— Acidentes acontecem — David.
— Acidente? Pilantragem, fio! — Aslan.
— Bem, senhores, vamos ao ponto, porque tenho outra ocorrência depois de vocês — Amauri.
— Certo — David.
— Dessa vez, quero que outro fale. Você foi o porta-voz da última vez — Amauri.
— É que achamos melhor assim, delegado — David.
— Quero ouvir esse rapaz falar — Amauri apontou para Silvio.
— … Sim? — Silvio.
— O que estavam fazendo no meio do mato à noite? — Amauri.
— Acampando — Silvio.
— Acampando em uma área de reserva? — Amauri.
— É uma área de reserva? — Silvio.
— Delegado, aquela área é aberta — David.
— Não, é uma reserva — Amauri.
— Não, senhor. É área aberta. Tem uma trilha turística, inclusive — David.
— A prefeitura determinou que aquela área é uma reserva desde o mês retrasado — Amauri.
— Como assim? Ninguém ficou sabendo — David.
— Mentira, mano… — Aslan.
— A prefeitura publicou no próprio site que aquela parte do distrito é uma área de proteção — Amauri.
— No site?… — David.
— E quem vai ver o site da prefeitura, delegado? — Aslan.
— Bem, não importa. Vocês acamparam em uma área de reserva. Vão levar uma multa por isso — Amauri.
— Ah, tá zoando… — Aslan.
— Caramba… — Douglas.
— … — Silvio.
— Delegado, não tinha nenhuma placa informando que aquela área virou uma reserva. Não cabe multa nesse caso — David.
— Cabe sim, vão receber — Amauri.
— Se não tinha sinalização, não cabe multa — David.
— Ô delegado, o local é aberto, qualquer um entra. Conhecemos a trilha que tem lá há tempos — Aslan.
— Tá até no Google Maps — David.
— Exato! — Aslan.
— Se podem olhar no Google Maps, por que não podem olhar no site da prefeitura? — Amauri.
— … Mano — Aslan.
— Delegado, se a área não tem sinalização, não cabe multa… — David.
— Mesmo sem sinalização, isso não significa que não há regras — Amauri.
— Nesse caso, a medida da prefeitura é recente. Se aplicar a multa, podemos recorrer, principalmente por não ter sinalização — David.
— Então, vocês vão ter que recorrer — Amauri.
— Inacreditável… — David.
— Qual é o valor dessa multa?! — Aslan.
— Dois mil e cem — Amauri.
— Dois mil e cem? Nem fodendo! — Aslan.
— Não acredito… — David.
— Caramba, delegado… Dois mil e cem por acampar? — Douglas.
— Lamento, não faço as regras — Amauri arrastou o documento da multa sobre a mesa.
— Eu vou ver melhor a legislação sobre reservas, isso não tá certo — David.
— Você pode ver, não é da minha competência — Amauri.
— Quero ver a prefeitura ou o senhor aplicando multa nos nóia! — Aslan.
— É melhor baixar o tom. Como falei, não é da minha competência — Amauri.
— Tranquilo… — Aslan.
— Difícil, hein, delegado… — Douglas pegou o documento.
— Agora que foram informados sobre a multa, podemos prosseguir com o boletim — Amauri.
— Aliás, os caras dos outros acampamentos vão ser multados também? — Aslan.
— Sim, quando identificarmos todos. É para isso que os chamei aqui. Além das pessoas da gravação, havia quantos acampamentos no local? — Amauri.
— Sei lá… uns cinco, eu acho — Aslan.
— Por aí — David.
— Vamos identificar todos. Agora, me digam: o indivíduo da filmagem anexada ao boletim é o mesmo do perfil da rede social? — Amauri.
— Pela foto, é — Aslan.
— Não tem como ser outro — Douglas.
— Reconhecem o indivíduo oficialmente? — Amauri.
— Sim — Aslan.
— Aham — Douglas.
— Sim — David.
— Sim — Silvio.
— Sendo assim, irei encaminhar isso para a divisão de tecnologia. Parece que vocês já fizeram uma parte do trabalho — Amauri.
— Lógico, investigamos e achamos o cara — Aslan.
— Só falta procurar ele no banco de dados do governo — David.
— Nóis é nóis! — Aslan.
— Ainda quero entender o porquê deles fazerem isso no mato, no meio da noite — Silvio.
— Muitas coisas acontecem no mato, amigão… — Aslan.
— Pior… — David.
— Bandido faz coisa em qualquer lugar, irmão — Douglas.
— Entendo, mas… esquema de fraude no meio do mato? Que surreal — Silvio.
— Ali foi trabalho e lazer ao mesmo tempo — Aslan.
— Ah… — Silvio.
— Mas na maioria é só trabalho — Aslan.
— Deviam ter cuidado com acampamentos. Como podem imaginar, já recebemos denúncias de coisas piores — Amauri.
— Nós temos, delegado, só acampamos em lugares conhecidos — Aslan.
— Temos essa prudência — David.
— Ótimo, então já posso liberar vocês — Amauri.
— Era só isso? — Aslan.
— Sim, era o procedimento que tinha que fazer — Amauri.
— Saquei — Aslan.
— Delegado, nós trouxemos uma quantia pra pagar a fiança do nosso amigo. Pode haver uma negociação? — David.
— Negociar o valor da fiança? — Amauri.
— Isso mesmo — David.
— Não — Amauri.
— Mil e oitocentos… — David.
— Não negocio valor de fiança, lamento — Amauri.
— Deixa isso pra pagar a multa, o Richardson vai sair na próxima semana mesmo — Aslan.
— O cara deve estar desesperado pra sair daqui, meu caro — David.
— Ele que espere. Multa de dois mil e cem, mano. Grana não tá fácil assim, não — Aslan.
— … Belê — David.
— Infelizmente é isso. Ele pode esperar até a próxima semana — Aslan.
— Quem é o amigo de vocês? É o mesmo daquele dia? — Amauri.
— Exato — Aslan.
— Sim — David.
— Já pagaram a fiança dele — Amauri.
— Quê? Quem?! — Aslan.
— Pelo que me lembro, os advogados de uma outra detenta — Amauri.
— Mentira! — Aslan.
— Pagaram a fiança dele quando? — David.
— Nessa semana, não me recordo o dia — Amauri.
— Acho que foi um engano — David.
— Não pode ser. Se ele fosse solto, a gente iria saber — Aslan.
— Bem, seu amigo já foi solto — Amauri.
— Não, só pode ser um engano — Aslan.
— Vamos entrar em contato com ele pra confirmar… Obrigado, delegado — David.
— Disponha, tenham um bom final de semana — Amauri.
— Obrigado, pro senhor também — David.
Os rapazes viraram-se e saíram em direção ao corredor, deixando o advogado sozinho na sala…
Após alguns instantes, enquanto desciam as escadas, Aslan puxou o celular do bolso e exclamou:
— Vou ligar pro Richardson agora!
— Acho que o delegado tá enganado. A primeira coisa que o Richard ia fazer era ligar pra gente — David.
— Exato, tem algo estranho nisso — Aslan deslizava o dedo na tela do celular.
— Dois mil e cem de multa por acampar, irmão. País de sanguessuga do caramba… — Douglas.
— Pois é, isso não tá certo. Aquela área sempre foi pública — David.
— Agora tem que gastar o dinheiro de soltar o cara com essa merda de multa — Douglas.
— Pior — David.
O rapaz levou o celular à orelha e falou:
(Na ligação)
— Richard…?
— E aí, mano!
— Oxe, caralho! Você foi solto mesmo?!
— Se eu tô falando com você, é porque sim, né, meu parceiro?
— Que porra é essa? Como você é solto e fala nada?!
— Queria fazer uma surpresa, não era pra vocês saberem.
— A gente veio na delegacia ver um B.O. e pagar sua fiança, filho da mãe!
— Foi mal, sentimental.
— Onde você tá, louco?!
— Tô aqui num hotel do Rio.
— Que Rio?
— Como que “que Rio”? No Rio de Janeiro, retardado!
— Que porra você tá fazendo no Rio?!
— Longa história… Primeiro, a velha da cela do lado disse que ia mandar os advogados dela pagarem minha fiança se eu desse um beijo nela. Dei o beijo e fui solto.
— Tá zoando…
— Não, juro! Aquela velha é uma tarada, loucona! Me deu o endereço do apartamento dela no Leblon e falou pra eu ficar hospedado aqui.
— Você tá tirando comigo? Que porra é essa?
— Não! — deu risada. Só dei um beijo na velha e isso tudo aconteceu! Juro pela minha mãe!
— Mano, quem é essa velha? Não tô acreditando nesse papo.
— Aquela velha chamada Dercy, que eu comentei aquele dia. Maior louca, tarada até o talo!
— Bizarro…
— Que se foda! A oportunidade apareceu, e eu agarrei mesmo! Cheguei no Rio hoje de madrugada, e mais tarde vou ver o apartamento dela. Parece que ela tem até uma Porsche, estourei!
— Sai dessa, fio! Você vai aceitar essas coisas de uma velha que conheceu na prisão? Tá louco?!
— Louco é você, parceiro. Eu agarro as oportunidades.
— Eu sei que sou meio doido, mas… isso aí é viagem demais, não acha?
— Viagem nada, é assim que a vida funciona, parceiro. A oportunidade aparece e você tem que agarrar. Ela não volta.
— Beleza… Vou sair da delegacia aqui e a gente conversa depois. Quando volta pra Sampa?
— Depois que eu explorar o que tem por aqui. Quero ver melhor o que caiu no meu colo.
— Fechou, depois quero ter um papo contigo. Vou desligar.
— Fechado, sangue bom. Vou arrumar meus trapos pra cair no apê da velha — deu uma longa e debochada risada.
— Você sabe que vai se ferrar com isso ainda, né? Essa parada de “namorar” velha e tals…
— Aslan, não sou que nem você e o David que têm pais ricos. Essa é minha vida, e você sabe bem disso. A gente estudou junto porque ganhei uma bolsa. Tenho que me garantir com as oportunidades.
— Papo torto, mas beleza… Acho que você já bebeu uma, pelo jeito…
— É, bebi mesmo — soltou uma gargalhada. Vou desligar e curtir minha liberdade. Foda-se o mundo!
— Beleza, falou aí. Quando estiver no seu estado normal, eu ligo…
— Falou, meu parceiro! Um beijo e um cheiro!
Aslan, com uma expressão de estranheza, afastou o celular da orelha e deslizou o dedo pela tela…
— O que ele disse? — David.
— Mano, bizarro… — Aslan.
— O quê? — David.
— A velha da cela do lado pagou a fiança dele e mandou ele se hospedar no apartamento dela, lá no Rio — Aslan.
— Carai, sério? — David.
— Sério, esse Richardson é lunático. Ele foi mesmo — Aslan.
— De graça assim? — David.
— Ele tá enganando a velha, logicamente — Aslan.
— Na boa, o Richardson tá virando um predador do caralho — David.
— Exato, pensei a mesma coisa — Aslan.
— Eu não teria coragem de fazer um bagulho desse nem que me pagassem — Douglas.
— Surreal — Silvio.
— O Richardson é lunático. Ele falava que ia atrás de coroa rica desde a época de escola, e foi mesmo — Aslan.
— O cara é um predador natural, não deu outra — David.
— Ruim, hein… — Douglas.
— Ele é parceiro. Se você estiver passando por qualquer coisa, ele cai de cabeça junto, mas tem essas idéias de lunático — Aslan.
— Pois é — David.
— Enfim, só eu sou perfeito… — Aslan.
— É sim, só você e o manicômio todo — David.
— Ele anda sobre as águas — Silvio riu.
— Kakakaka — David.
— Hahaha — Douglas.
De repente, já próximos à recepção, ouviram alguns berros ecoando pelo corredor…
— Vixe, qual será o B.O.? — Aslan.
— Quero nem saber — David.
Nesse momento, na recepção, o judeu da barraquinha de frutas kosher de Praga exaltava-se em uma discussão acalorada com a policial recepcionista:
— Eu vendo frutas naquele lugar há dez anos! A prefeitura não pode me multar!
— Pague a multa!
— Não vou pagar cem mil por trabalhar! Eu sou judeu!
— Se quiser trabalhar lá, vai ter que pagar a multa e a licença!
— Nem a fábrica pagou a licença maternidade pra minha mãe quando fui parido! Vou pagar por nada!
Os rapazes entram na recepção, e Aslan, ao ver o sujeito discutindo no balcão de atendimento, comentou ao passo que seguia com os outros em direção à saída:
— Alá, mano! É o judeu da vendinha, aquele safado! — Aslan.
— Vish — David.
— Vou cobrar ele! — Aslan.
— Não! Não inventa! — David.
— Deixa isso pra lá, irmão. Ainda tenho que ver o negócio do passaporte com a Daya — Douglas.
— Esse filho da mãe me cobrou quinze conto por um cacho de uva! Quinze conto, truta! — Aslan.
— Sei como isso dá ódio, mas deixa passar essa. Tô sem tempo hoje — Douglas.
— Cara, faz tempo isso. Esquece, na boa — David.
— Não tem tempo pro meu bolso. Só não cobrei ele nesse final de semana porque a vendinha tava fechada — Aslan.
— Desencana, irmão. Vamos embora, não tô a fim de confusão — David.
— Eu também não. Isso é besteira, Aslan — Silvio.
— Tomara que os caras fechem aquela vendinha dele! — Aslan.
— É o que tá parecendo. Vamos embora, meu caro — David.
O rapaz cedeu e decidiu deixar a delegacia. Dirigiram-se até a saída…
Do lado de fora, coincidentemente, Waldemiro descia do Camaro vermelho, ajeitando o cinto e fungando, ao mesmo tempo que um de seus advogados fechava a porta do passageiro…
Em segundos, avistou Silvio saindo do DP com os outros. Surpreso, não hesitou em lhe abordar:
— Ô, rapai! Você por aqui?!
O jovem olhou para o pastor e o encarou por alguns instantes, com uma expressão de espanto…
— Waldemiro? — Silvio.
— Tá me reconhecendo não, uai? Eu mesmo! — Waldemiro.
— … Tudo bem? — Silvio.
— Rapai, nunca estive melhor — escarrou no chão. E você? Como que tá? Fiquei sabendo que ficou rico também! — Waldemiro.
— Não… — Silvio.
— Pra morar aqui em São Paulo tem que ser rico, como não? — Waldemiro.
— Eu moro de favor… — Silvio.
— Tá morando em um puteiro, é?! — Waldemiro.
— Não, eu moro na casa dos pais da minha namorada… — Silvio.
— Ih, é?! — Waldemiro.
— Quem é esse mano? — Aslan.
— É um velho conhecido… — Silvio.
— Quem são esses aí? É sua turminha, é? — Waldemiro.
— É… — Silvio.
— Boa tarde, senhor — David.
— Boa tarde — Waldemiro fungou.
— E aí, tranquilo? — Aslan.
— Tranquilo como esquilo — Waldemiro.
— Daora — Aslan.
— Você não é o irmão do cara que levou um tiro no evento do Seu Olavo? — Douglas.
— É! Sou eu mesmo! Você tava lá?! — Waldemiro.
— Aham, eu e o Silvio — Douglas.
— Ih, é? Tô lembrado não! — Waldemiro.
— Sim, nós vimos você e o Toninho… — Silvio.
— É?! Rapai, coincidência! Por que não foram me cumprimentar? Acho que é o destino! — Waldemiro.
— Talvez… — Silvio.
— Ficaram sabendo que o Toninho levou um tiro na cabeça? — Waldemiro.
— Ficamos sabendo por cima que o cara tinha levado um tiro letal — Douglas.
— Morreu?! — Silvio.
— Morreu não, mas quase morre — Waldemiro.
— Que chato… — Silvio.
— Quê?! — Aslan.
— Como assim “que chato”, Silvão?! — David.
— É que eu odeio esse cara… — Silvio.
— Carai… Deve odiar mesmo… — David.
— Porra… — Aslan.
— Ele tá certo. O meu irmão é uma desgraça, rapai. Pena que não morreu — Waldemiro cuspiu no chão.
— Vaso ruim é difícil de quebrar, infelizmente — Silvio.
— … Mano — Aslan.
— Mas agora ele tá dopado. Eu e a minha noiva tamo dando uns remédio forte pra ele — Waldemiro.
— Oh, você noivou? — Silvio.
— Sim, já vou é casar no domingo. Escolhi a data hoje! — Waldemiro.
— Legal — Silvio.
— Por falar nisso, você tá convidado! Eu gosto de você! — Waldemiro.
— Sério? — Silvio.
— É, vem no meu casamento! O Olavo e o Vicente já foram convidados também! — Waldemiro.
— Obrigado pelo convite… — Silvio.
— Não se preocupa que o demônio tá dopado na cadeira de roda. Ele não vai te perturbar, não — Waldemiro.
— Certo, vou pensar no caso… — Silvio.
— Chama sua namorada e apareça! Vai ser o maior prazer! — Waldemiro.
— Obrigado… — Silvio.
— Uma pergunta, senhor… — Aslan.
— Pó fazer! — Waldemiro.
— Seu casamento vai ser no domingo, confere? — Aslan.
— É! — Waldemiro.
— Por acaso você comprou uma casa no condomínio Atilla? — Aslan.
— É! Comprei! Comprei foi logo uma mansão! Como sabe?! — Waldemiro.
— Saquei… Sei porque o senhor convidou um amigo meu, que é seu vizinho — Aslan.
— Ih, é?! — Waldemiro.
— Sim, e ele tava querendo convidar a minha prima pra ir junto. Lembrei agora — Aslan.
— Rapai, já que tá todo mundo próximo um do outro, vocês tão convidados também! — Waldemiro.
— Sérião? — Aslan.
— … Até eu? — David.
— É, todo mundo! — fungou. Venham no meu casamento no domingo, vocês já devem saber o endereço se o seu amigo for meu vizinho — Waldemiro.
— Sim, sei qual é — Aslan.
— Primeira vez que sou convidado pra um casamento em muito tempo — David.
— É! Vai lá! Vai ter bolo de dez andares e tobogã de bebida alcoólica! — Waldemiro.
— Carai… — David.
— Porra, vou ir nessa parada! — Aslan.
— Dez metros? — Silvio.
— É! Já encomendei o bolo e tudo! Venham, tão convidados! — Waldemiro.
— Na moral, eu vou! — Aslan.
— Isso! Venha! — Waldemiro.
— Obrigado pelo convite, Seu Waldemiro. É Waldemiro o seu nome, né? — Douglas.
— Isso mesmo! Waldemiro Telles, a seu dispor! — Waldemiro.
— Demorou — Douglas.
— Talvez a gente vá, Waldemiro. Obrigado pelo convite — Silvio.
— Eu quero ir! Comida de graça, truta! — Aslan.
— Porra, irmão… Tá passando fome?… — David.
— Mas é pra ir e comer mesmo! Casamento tem comida pro povo ir, ou ninguém vai nessa bagaça. É ou não é?! — Waldemiro.
— É! — Aslan.
— Então — fungou — , vocês tão convidados e vai ser o maior prazer, viu? Espero vocês lá domingo às sete horas — Waldemiro.
— Fechou! Conta com a minha presença e com a presença da minha mina! — Aslan.
— Belezura, rapai! Isso mesmo! Traz as muié pra comer e dançar! Contratei um DEJOTA! — Waldemiro.
— Dejota? — Aslan.
— É aquele infeliz que fica tocando música — Waldemiro.
— Ah, DJ! Caralho, que daora! — Aslan.
— … — Douglas segurou a risada.
— … — David virou o rosto pelo mesmo motivo.
— Agora tenho que ir falar com o delegado. Vou depor contra um filhote de cruz credo que bateu no meu Camaro e me chamou de macaco com relógio de ouro — Waldemiro.
— Vixe… — Aslan.
— Complicado… — David.
— Foda, hein… — Douglas.
— É, vim depor e processar o desgraçado. Agora tenho dinheiro pra processar todo mundo; processo até a Rainha Elizabeth — Waldemiro.
— Boa! Mete processo! — Aslan.
— Tem que processar mesmo — David.
— É, vou lá agora. Espero vocês no domingo! Mas ó: traz presente, viu? — Waldemiro.
— Pode crer! — Aslan.
— Beleza — David.
— Até domingo se eu for, Waldemiro — Silvio.
— Falou, Seu Waldemiro — Douglas.
— Falou! Um abraço pra vocês, juízo! — Waldemiro.
Waldemiro e o advogado puseram-se a andar para a entrada do DP…
— Dejota! Hahahahaha! — Douglas.
— KAKAKAKA! Quase rachei também! — David.
— Hahaha — Silvio.
— Na moral, esse cara é daora. Curti ele — Aslan.
— Curtiu porque ele vai dar comida de graça, kakakaka — David.
— Nem, o cara é gente fina. Vou nessa parada aí — Aslan.
— Se você for, eu vou — Douglas.
— Partiu, irmão! Comida de graça! — Aslan.
— Vai ir, Silvão? — David.
— Não sei. Sinceramente, prefiro ficar longe desse pessoal… — Silvio.
— Por quê? — David.
— Por que você odeia o irmão do maluco, mano? — Aslan.
— O irmão dele é um merda; é o que posso falar — Silvio.
— Tá, mas e o cara? Não é gente fina? — Aslan.
— O Waldemiro não fede e nem cheira, mas não sou simpático — Silvio.
— Como não, pô? Maluco mó gente fina — Aslan.
— Não teria tanta certeza… — Silvio.
— Admito que essa idéia de comer de graça e rachar o bico no domingão à noite é atrativa — David.
— Esse casamento vai ser engraçado, irmão. Bolo de dez andares e tobogã de bebida… — Douglas riu.
— Kakakaka, pior! — David.
— Mano, eu vou nisso aí! Perco por nada! — Aslan.
— Se o Silvão for, eu vou — David.
— Vou pensar no caso — Silvio.
— Bora, mano. Vai ficar em casa fazendo o quê? — Aslan.
— Nada; é o que eu quero fazer — Silvio.
— Aff… — Aslan.
— Silvão, dessa vez vou pedir pra você ir com a gente. Você tá mais chegado no meio do que nós — Douglas.
— Exato! — Aslan.
— Tô chegado em nada. E, na realidade, conheço pouco do Waldemiro — Silvio.
— Conhece mais do que nós — Douglas.
— Na moral, até o Chiquinho vai — Aslan.
— Sim, vou pensar. Não adianta insistir — Silvio.
— Ah, mano… — Aslan.
— Amanhã você dá a resposta, irmão. Fica tranquilo — David.
— Sim, amanhã eu digo. Vou ver se a Alana tá disposta a ir nisso, primeiro — Silvio.
— Perfeito — David.
— Beleza, quero ver — Aslan.
Seguiram pela calçada em direção ao carro estacionado na vaga do DP…
Escritório do Vazam Hortifrúti, três e cinco da tarde.
Na sala da gerência de finanças, Alana, em sua mesa, deslizava o dedo com calma sobre o rolamento do mouse, absorvendo as notícias do dia que surgiam na tela, enquanto se permitia uma breve pausa no trabalho, com a mente levemente distante das tarefas…
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De repente, o celular vibrou ao lado, e a jovem o pegou com um gesto suave, deslizando o dedo para atender à chamada…:
(Na ligação)
— Alô…?
— Alana! Sou eu, Chiquinho!
— Ah, oi, oi! Tudo bem, Chiquinho?
— Tudo, preciso falar com você com urgência. Tá ocupada?!
— Não, pode falar. Aconteceu alguma coisa?…
— Sim, aconteceu!
— O quê?
— Fui convidado pra um casamento!
— Ah…
— Desculpe a agitação, mas é que o seu irmão é um idiota!
— Por quê? O que ele fez?
— Ele deixou de fazer! Pedi pra esse imbecil falar com a sua prima e me dar a resposta, mas não recebi a resposta e preciso pra ontem!
— Falar o que com a minha prima?
— Eu quero convidar a Ariel para ir em um casamento comigo, mas preciso que ela me adicione no Orkut ou aceite as minhas ligações. Seu irmão ficou de falar com ela, mas falou nada! Estou com raiva do Aslan!
— Ah… Vish…
— Alana, me ajude! Preciso de falar com a sua prima hoje mesmo, porque o casamento será no domingo!
— Domingo agora?
— Isto, domingo agora!
— É um pouquinho em cima da hora, não acha…?
— É em cima da hora por causa do idiota do Aslan! Que droga!
— Entendo… Calma, eu posso falar com ela…
— Esplêndido! Se eu soubesse, teria falado com você antes.
— Sim, mas… você não tem uma segunda opção…?
— Não! Eu só tenho a sua prima como opção!
— Entendi… Olha, não sei se é uma boa, sinceramente…
— Por quê?
— Ela não é exatamente agradável…
— Explique-me isto.
— Olha, ela vai ser grosseira com você, Chiquinho. Melhor escolher outra pessoa…
— Não importa! Eu adorei aquela criatura maravilhosa! Ela pode ser grossa comigo o quanto quiser, só quero que ela vá!
— Hmm… Você que sabe…
— Fala pra ela aceitar a minha solicitação no Orkut, por gentileza.
— Eu vou dizer, mas esteja avisado, hein…
— Oui, madame! Vou praticar o meu francês. Ela é francesa, estou correto?
— Não, ela é americana. Mas até que vai gostar se você pensar que ela é francesa.
— Esplêndido! Vou tratá-la como uma autêntica francesa!
— Mas, Chiquinho… se ela não gostar de você, ela não vai te tratar muito bem…
— Só preciso de uma noite, uma só!
— Tá bom, então… Você que sabe…
— Obrigado, Alana! Você é mais minha amiga do que o seu irmão é para mim nesse momento!
— Não exagera.
— Claro, mande o seu irmão ir pastar. Vou invadir o mundo dele no Social Wars e acabar com tudo!
— Vish… Altas tretas…
— Adoro você, Alana. Também adoro seu namorado.
— Ah, ele gosta de você também.
— Nos damos bem. Quem sabe dou certo com a sua prima e, em breve, posso convidá-los para um jantar: eu com a Ariel, e você com o Silvio.
— Quem sabe, né?
— Vou rezar a novena de Santo Antônio pedindo essa graça!
— Vai que dá certo, haha.
— Agora, diga a sua prima para me aceitar. Fala que irei mandar um chofer buscá-la com o meu Bentley.
— Hmmm… Que chique, hein…?
— Diga a ela que vai receber um tratamento de embaixatriz.
— Nossa, hein. Vou dizer!
— Ah, antes de desligar, do que ela gosta?
— Xiii… Especifica essa pergunta…
— Ela gosta de que tipo de filme, música, perfume, etc.?
— Ah… Pelo que sei, filme de terror, suspense e ficção científica. Música, sei que ela gosta de rock, folk, clássica e, principalmente, músicas francesas.
— Estou anotando.
— Literalmente…?
— Sim.
— Eu, hein…
— O que mais? Ela gosta de homem falador ou observador matador?
— Ué… — riu.
— São perguntas cruciais, minha nobre amiga.
— Não sei… Acho que falador, porque ela adora conversar se gostar de você.
— Anotado.
— Mas você tem que ter conteúdo, ou ela vai te achar um saco.
— Tenho muito conteúdo, esteja certa.
— Ponto positivo, então.
— Anotado.
— Vou te dar uma dica: ela adora conversar a respeito de bizarrices.
— Que nem o Aslan?
— Mais ou menos, ela gosta de umas coisas tipo caballah, livros obscuros e afins.
— Isso me é esquisito, mas anotado! Farei uma pesquisa!
— Então… ela é esquisita nesse ponto…
— Intrigante… Ela é bruxa?
— Não, ela se diz atéia.
— Uma atéia que gosta de caballah e livros obscuros?
— Sim, também não entendo esse ateísmo dela.
— Intrigante…
Sem avisar, Bendito abriu a porta e interrompeu a conversa, exclamando:
— Alana! Preciso falar com você agora!
— Ai, Meu Deus! Que susto!
— Desliga o telemóvel! Qualquer fofoca que seja, não é mais importante do que tenho a dizer!
(Na ligação)…:
— Chiquinho, preciso desligar.
— Escutei daqui. O chefe chegou!
— Isso. Calma que já já eu mando uma mensagem pra Ariel.
— Estou a espera. Deus te abençoe, amiga e irmã de missa.
— Amém.
Alana afastou o celular da orelha, encerrando a chamada…
— Não poderia ter batido na porta, pelo menos?
— Não, é urgente!
— Qual é a urgência?
— Preciso que você pesquise um hamita para mim na internet!
— Quê…?
— Bati no carro de um gajo folgado e deixei uma definição escapar da minha boca. Preciso que você ache os dados do filho da puta na internet o mais rápido possível!
— Quê? Como assim? Isso não é meu trabalho.
— Foda-se! Agora é seu trabalho!
— Ah, não… Isso tá passando dos limites…
— Faça a caraça da tarefa, ou vou descontar do salário do seu namoradinho hamita todos os dias que ele me desobedeceu!
— Desobedeceu em quê?
— Ele não foi pro caralho do setor dele!
— Ah, mas ele sempre ficou no setor de logística com o Aslan.
— Foda-se! O setor dele é este cá! Portanto, se não fizer a tarefa, vou descontar tudo!
— Não acredito, meu…
— É bom acreditar, porque falo e faço! Entendeu?!
— Saco… O que é? O que o senhor fez?
— Já disse que bati no carro de um animal de Rolex! É disso que precisas saber!
— Tá, e qual é o nome dessa pessoa?
— Eu fui consultar os dados desse filho da puta pelo número da placa do carro, mas o dono é branco e o gajo era preto. Mas sei que o nome dele é Waldemiro.
— Que é isso? É assim que se fala das pessoas?! — franziu o cenho.
— Minha querida, se o gajo era preto, como é que eu falo nessa caraça? Se eu falar negro é racismo, se eu falar preto é racismo. É roxo, então? Foda-se!
— Meu… Isso vai dar muito problema ainda, sério…
— Olha aqui, só faz o que eu mandei e pronto! De resto, cuido eu! Não é problema vosso!
— Não mesmo! Quero nem saber disso, viu?!
— Nome: Waldemiro; cor: preto; estilo de roupa: roceiro com Rolex de ouro. Precisas de mais o quê?
— … Vou nem falar nada.
— Para de frescura, gaja! Faça logo a tua tarefa, pá!
— Não deveria fazer, mas dada a ameaça… Saco, viu… — irritou-se.
— Pois! Pois! Seu namorado hamita vai receber um punhado de foda-se de salário se não o fizer! Entendeu?!
— Essa pessoa mora onde? Ele é casado ou solteiro? Onde ele estudou?!
— Eu vou lá saber, se vira aí para achar.
— Meu, tem milhares de coisas sobre pessoas na internet. Como vou achar esse ser humano com essas descrições que você me passou?!
— Coloca aí os dados do dono do carro. Pode ser que se ache o animal por algo relacionado.
— Quais são os dados?!
— Agostinho Carai, quarenta e nove anos, branco, pobre e feio, residente de Cafundó do Judas, casado com Bebel Carai, autônomo e concursado da prefeitura de Nhocunné.
— Hmm… — começou a digitar.
— Ô nomezinho de filho da puta, bípede pisoteador do globo, foda-se.
— Hmm, tá. Deixa eu fazer a “tarefa” e depois eu falo se encontrei algo.
— Viu? Não caiu um pedaço seu, ou caiu?
— Não!
— Vou para minha sala e quero saber de algo antes de você ir embora.
— Tá, mas eu tenho minhas coisas para terminar!
— Tem porra nenhuma. Tu estavas falando ao telemóvel com algum gajo. Aliás, se eu souber que estás a matar hora no trabalho, tiro você dessa caraça de sala!
— Tá, me deixa! Vai pra sua sala, saco!…
— E olha como tu falas com teu chefe!
Bendito saiu da sala, fechando a porta atrás de si…
Alana suspirou, irritada, lançando um olhar ao teto. Depois, inclinou-se sobre o teclado e retomou a pesquisa, pensando em como frear as atitudes do terrível substituto de Avraham…